quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Hoje a revolução significa puxar os freios de emergência


Por Leonardo Boff

Atribui-se a Karl Marx esta frase pertinente: “Só se fazem as revoluções que se fazem”. Quer dizer, a revolução não configura um ato subjetivo e voluntarista. Quando assim ocorre, é logo vencida por imatura e falta de consistência. A revolução acontece quando as condições da realidade estão objetivamente maduras,  e  simultaneamente existe nos grupos humanos a vontade subjetiva de querê-la. Então, ela irrompe com chance, nem sempre garantida, de vencer e se consolidar.

Atualmente,  teríamos todas as condições objetivas para uma revolução. Revolução é aqui tomada no seu sentido clássico como a mudança dos fins gerais de uma sociedade que cria os meios adequados para alcançá-los, o que implica a mudança nas estruturas sociais, jurídicas, econômicas e espirituais desta sociedade.

Atualmente também, a degradação geral em quase todos os âmbitos, especialmente na infraestrutura natural que sustenta a vida, é tão profunda que, em si, necessitaria de uma radical revolução. Do contrário, podemos chegar tarde demais e assistir a catástrofes ecológico-sociais de magnitude nunca antes vividas pela história humana. 

Mas não existe ainda, nos “donos do poder”, a consciência subjetiva desta urgência. Nem a querem. Preferem manter seu poderio mesmo com o risco de eles próprios sucumbirem num eventual Armagedon. O Titanic está afundando, mas sua obsessão por ganhos é tão grande que continuam comprando e vendendo joias como se nada estivesse acontecendo.

Geralmente, as “revoluções” são feitas pelos poderosos que se antecipam aos oprimidos, dizendo como com frequência se pratica no Brasil: “Façamos nós a revolução antes que o povo a faça”. Naturalmente, não se trata de uma revolução mas de um golpe de classe, usando, como no caso da “revolução de 1964”, as Forças Armadas para esse fim. Esses vitoriosos têm seus acólitos, que lhes cantam loas, levantam-lhes monumentos, dão nomes às ruas, pontes e praças, como ainda persiste no Brasil.

A história dos vencidos raramente é feita. Sua memória é apagada. Mas às vezes esta memória vem à tona como uma força denunciatória perigosa. Foi mérito, por exemplo, do historiador mexicano Miguel León-Portilla de narrar o Reverso da conquista da América Latina pelos ibéricos. Ai recolhe os testemunhos dramáticos e lancinantes das vítimas astecas, maias e incas. Em português foi traduzido por A conquista da América Latina vista pelos Indios (Vozes, 1987). Vejamos apenas um testemunho indígena, por ocasião da tomada de Tlatelolco (próxima da capital Tenochtlitlan, atual cidade do México). É simplesmente de chorar:

“Nos caminhos jazem dardos quebrados; os cabelos estão espalhados; destelhadas as casas; incandescentes seus muros; vermes abundam  por ruas e praças, e as paredes estão manchadas de miolos arrebentados; vermelhas estão as águas, como se alguém as tivesse tingido; temos mastigado grama salitrosa, pedaços de adobe, lagartixas, ratos e terra em pó e mais os vermes” (León-Portilla, pág. 41).

Tais tragédias nos colocam a questão nunca respondida satisfatoriamente: tem sentido a história? Sentido para quem? Há todo tipo de interpretações,  das mais pessimistas que veem a história como a sequência de guerras, assassinatos e matanças, até as mais otimistas, como aquela dos iluministas que pensavam a história como  um crescimento na direção do progresso sem fim e de sociedades cada vez mais civilizadas. 

As duas grandes guerras mundias, a de 1914 e a de 1939, e as que se seguiram após, vitimando cerca de 200 milhões de pessoas, pulverizaram esse otimismo. Hoje, ninguém nos pode dizer em que direção caminhamos: nem os sábios e santos Dalai Lama e o papa Francisco. Mas os eventos se sucedem com toda a sua ambiguidade, alguns esperançosos, outros amedrontadores.

Filio-me à tradição judaico-cristã que afirma: a história só pode ser pensada partir de dois princípios — o da negação do negativo e o do cumprimento das  promessas. A negação do negativo quer dizer: o criminoso não vai triunfar sobre a vítima. O peso do negativo da história  não detém o sentido definitivo. Pelo contrário, o Criador “enxugará toda lágrima dos olhos, a morte não existirá mais,  nem haverá luto nem pranto, nem fadiga, porque tudo isso já passou”(Apocalipse 21,4).

O princípio do cumprimento das promessas sustenta: “Eis que renovo todas as coisas; haverá um novo céu e uma nova terra; Deus morará entre nós e todos os povos serão povos de Deus” (Apocalipse 21, 5; 1 e 3). É a esperança imorredoura da tradição bíblica, que não desaparecia nem quando judeus eram levados às câmaras  nazistas de extermínio.

Com referência à situação atua, reporto-me a uma frase de Walter Benjamin, citada por um seu estudioso Michael Löwy: “Marx havia dito que as revoluções são a locomotiva da história mundial. Mas talvez as coisas se  apresentem de maneira completamente diferente. É possível que as revoluções sejam o ato, pela humanidade que viaja nesse trem, de puxar os freios de emergência” (Walter Benjamin: Aviso de incêndio,  Boitempo, 2005, págs. 93-94). Nosso tempo é de puxar os freios antes que o trem se  arrebente no fim da linha.


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