domingo, 2 de fevereiro de 2014

Qual é o lugar do religioso no mundo?

Por Leonardo Boff

Por mais que a sociedade se mundanize e, de certa forma, se mostre materialista, não podemos negar que vigora uma volta vigorosa do religioso, do místico e do esotérico nos tempos atuais. Temos a impressão de que existe um cansaço pelo excesso de racionalização e de funcionalização de nossas sociedades complexas. A volta do religioso apenas revela que no ser humano há uma busca por algo maior. Há um lado invisível no visível que gostaríamos de surpreender. Quem sabe, não se encontre lá um sentido secreto que sacia nossa busca incansável por algo que não sabemos identificar?  Nesse horizonte não confessional, quiçá faça sentido se falar do religioso ou do espiritual. Ele sofreu todo tipo de ataques mas conseguiu sobreviver.

 A primeira modernidade o via como algo pré-moderno, um saber fantástico que deve dar lugar ao saber positivo e crítico (Comte). Em seguida foi lido como uma enfermidade: ópio, alienação e falsa consciência de quem ainda não se encontrou ou,  caso se encontrou, voltou a se perder (Marx). Depois, foi interpretado como a ilusão da mente neurótica que busca pacificar o desejo de proteção e tornar o mundo contraditório suportável (Freud). Mais adiante, foi interpretado como uma realidade que pelo processo de racionalização e de desencanto do mundo tende a desaparecer (Weber). Por fim, alguns o tinham como algo sem sentido, pois seus discursos não têm objeto verificável nem falsificável (Popper e Carnap).

Estimo que o grande equívoco destas várias interpretações reside no fato de colocarem o religioso num lugar equivocado: dentro da razão. As razões começam com a razão. A razão em si mesma não é um fato de razão. É uma incógnita. Já rezava a sabedoria dos Upanishad: “Aquilo pelo qual todo pensamento pensa não pode ser pensado”. Talvez nesse “não pensado” se encontre o berço do religioso, vale dizer, daquelas instâncias exorcizadas pela racionalidade moderna: a fantasia, o imaginário, aquele fundo de desejo do qual irrompem todos os sonhos e as utopias que povoam nossa mente, entusiasmam os corações, incendeiam o estopim das grandes transformações da história. Seu lugar reside naquilo que o filósofo Ernst Bloch chamava de princípio esperança.

É próprio destas instâncias — do utópico, da fantasia e do imaginário — não se adequarem ao dado racional concreto. Antes, contestam o dado, pois suspeitam que o dado é sempre feito; tanto o dado quanto o feito não são todo o real. O real é ainda maior. Pertence ao real também o potencial, o que ainda não é mas que pode vir a ser. Por isso, a utopia não se antagoniza com a realidade; revela a dimensão potencial e ideal desta realidade. Já dizia o sábio E. Durkheim na conclusão de sua famosa obra As formas elementares da vida religiosa: “A sociedade ideal não está fora da sociedade real; é parte dela”. E concluía: “Somente o ser humano tem a faculdade de conceber o ideal e de acrescentá-lo ao real”. Eu diria, de detectá-lo dentro do dado real, fazendo com que este real, no qual está o ideal, seja sempre maior que o dado à nossa mão.

É no interior desta experiência do potencial, do utópico, que irrompe o fato religioso. Por isso dizia Rubem Alves, quem melhor no Brasil estudou o “enigma da religião” (título de seu livro): “A intenção da religião não é explicar o mundo. Ela nasce, justamente, do protesto contra este mundo que pode ser descrito e explicado pela ciência. A descrição científica, ao se manter rigorosamente nos limites da realidade instaurada,sacraliza a ordem estabelecida das coisas. A religião, ao contrário, é a voz de uma consciência que não pode encontrar descanso no mundo assim como ele é e que tem como seu projeto transcendê-lo”.

Por esta razão, o religioso é a organização mais  ancestral e sistemática da dimensão utópica, inerente ao ser humano. Como bem dizia Bloch: “Onde há religião, aí há esperança” de que nem tudo está perdido. Esta esperança é um amor por aquilo que ainda não é, “a convicção de realidades que não se veem”, como diz a Epístola aos Hebreus(11,1) mas que são o fundamento do que se espera.

Quem viu com lucidez esta singularidade do religioso foi o filósofo e matemático Ludwig Wittgenstein que disse: no ser humano não existe apenas a atitude racional e científica que sempre indaga como são as coisas e para tudo procura uma resposta. Existe também a capacidade de extasiar-se: “Extasiar-se não pode ser expresso por uma pergunta; por isso não existe também nenhuma resposta”. Existe o místico: “O místico não reside no como o mundo é, mas no fato de que o mundo exista”. A limitação da razão e do espírito científico reside no fato de que eles não têm nada sobre o que calar.

O religioso e o místico sempre terminam no nobre silêncio, pois não existe em nenhum dicionário a palavra que o possa definir. 

Até aqui falamos do religioso em sua natureza sadia. Mas ele pode ficar doente. Daí nasce a doença do fundamentalismo, do dogmatismo e da exclusividade da verdade. Mas toda doença remete à saúde. O religioso deve ser analisado a partir de sua saúde, e não de sua doença. Então, o religioso sadio nos torna mais sensíveis e humanos. Sua volta sadia é urgente hoje, pois ele nos ajuda a amar o invisível e tornar real aquilo que ainda não é mas pode ser.


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