terça-feira, 30 de setembro de 2014

A política entre a utopia e a realidade

Por Leonardo Boff

Antes de abordarmos, sucintamente, a questão complexa da política faz-se mister distinguir, como já fizemos em artigo anterior, a política com P maiúsculo, que é a busca comum do bem comum. Dela todos os cidadãos participam. Existe ainda a política com p minúsculo, que consiste na política partidária, que como a palavra sugere, é parte e não o todo. São os agrupamentos políticos com ideologia e projeto (é o que mais nos falta no Brasil) que buscam o poder de Estado para a partir dele e de seus aparelhos governarem  o município, os estados e a Federação.

Impota ainda conscientizar o fato de que a política, mais que qualquer outra realidade, participa da ambiguidade inerente à condição humana que nos faz simultaneamente dementes e sapientes, sim-bólicos e dia-bólicos, numa palavra, nos revela súmulas intrincadas de contradições. Por isso, por um lado, dizem os papas, a política é a mais alta forma do amor e, por outro, contém deformações lamentáveis como o patrimonialismo e a corrupção. Rubem Alves deixou escrito: “A política como missão é  a melhor das virtudes; como profissão é a mais vil”. Dai viver a política em permanente crise. A nossa é de baixa intensidade, pois o povo não se sente representado pelos parlamentares, muitos deles vivendo de negociatas e de aproveitamento dos bens públicos. Mas ela pode sempre melhorar e transformar-se, segundo o ideário dos mestres Norberto Bobbio e Boaventura de Souza Santos, num valor universal a ser vivido em todas as instâncias, da família, dos sindicatos até no centro do poder. O ideal é que cheguemos a uma democracia sem fim, um projeto sempre inacabado porque sempre perfectível. 

Não secundamos um pragmatismo preguiçoso, sem sonhos e destituído de vontade de aperfeiçoamento. Infelizmente, esta é a tendência dominante, particularmente no quadro da pós-modernidade, para a qual qualquer coisa vale (anything goes), ou só vale o que está na moda. E está contaminando os jovens.

Entretanto, uma pessoa ou uma sociedade que já não sonha e que não se orienta por utopias, escolheu o caminhou de sua decadência e de seu desaparecimento. Sem utopia não se alimenta a esperança. Sem esperança não há mais razões para viver, e o desfecho fatal é a autodestruição. Ela desempenha função insubstituível, pois relativiza as realizações históricas concretas e mantém o processo sempre aberto a novas incorporações. Numa palavra, a utopia nos faz andar. Jamais alcançaremos as estrelas. Mas que seriam nossas noites sem elas? São elas que espantam os fantasmas da escuridão e nos enchem de reverência face à majestade de um céu estrelado. Porque temos  estrelas, não tememos a escuridão.


Precisamos, portanto, de uma utopia para a política, para que desempenhe a função pela qual existe: organizar a sociedade, montar um Estado, distribuir os poderes e realizar a busca comum do bem comum para todos, sem privilégios e discriminações. Isso vale tanto para a Política com P maiúsculo quanto para a políitica com p minúsculo. Ambas precisam incorporar a ética do bem comum, da responsabilidade coletiva, da transparência e da retidão em todos os negócios onde estão envolvidos os poderes públicos. 

Quando confrontamos a política realmente existente e a utopia da política, notamos imensas contradições. Há um constrangimento poderoso que pesa sobre a política: o fato de  a política hoje estar submetida à economia e ao mercado que se regem por uma feroz competição deixando totalmente à margem a cooperação e os valores da solidariedade, fundamentais para uma convivência civilizada. Isso faz com que os valores não materiais, ligados à justiça social,  à gratuidade, ao cuidado, à solidariedade, ao trato humano com as pessoas, à liberdade de expressão ocupem um lugar irrelevante quando não são feitos também mercadorias, colocadas na banca do mercado e exploradas por conhecidos populistas ou por todo um mercado de literatura de autoajuda que mais ilude que ilumina.

Ora, destes valores altamente positivos vive fundamentalmente a política que se entende como prática da ética social. Não é suficiente a denúncia das diferentes corrupções sem apresentar formas alternativas ou legais de realizar os projetos políticos. Facilmente, caímos no moralismo  como se somente com a moral se resolvessem todos os problemas

A Igreja Católica ajuda a criar uma ética pessoal, de retidão e integridade. Há políticos que incorporam esta ética (ética na política). Mas ela não elaborou suficientemente uma ética social e política que trabalhe as instituições, os braços longos do poder que devem ser transparentes e um serviço público (ética da política). É nesse campo que ocorrem as perversões da política. Especialmente grave é o financiamento privado das eleições, que se traduz por troca de favores e implica alta corrupção.

No Brasil com tradição patrimonialista, o político facilmente considera seu o bem público e se apropria dele sem maiores escrúpulos. É roubo do pão que falta na mesa  do pobre, é livro que o estudante não tem, é remédio inacessível ao enfermo necessitado.

A desejada reforma política reintroduziria a ética na política — para Aristóteles, política e ética eram sinônimos.


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